[José Paulo Paes]
I- Comentários gerais:
O primeiro livro representado nesta coletânea é “O aluno”, de 1947. No poema, existe uma alusão direta ao poeta Manuel Bandeira. Neste mesmo poema, revela todas as suas paixões literárias desse tempo.
Da mesma forma nos outros poemas existe uma forte influência de outros autores, como Carlos Drummond de Andrade, Pablo Neruda e outros. “O aluno” é o início de sua obra refletida numa visível herança do Modernismo. Outras poesias como Drummondiana e Muriliana, são verdadeiras homenagens diretas a esses autores e constituem-se na forma epigramática.
Estão nesta coletânea: “Canção do afogado”, “Drummondiana”, “Balada”, “O poeta e seu mestre”, “Muriliana” e “O aluno”.
O aluno
[...] São meus também os líricos sapatos
De Rimbaud, e no fundo dos meus atos
Canta a doçura triste de Bandeira.
Drummond me empresta sempre o seu bigode.
Com Neruda, meu pobre verso explode
E as borboletas dançam na algibeira.
O livro “Cúmplices”, de 1951, traz poemas já com uma linguagem mais própria e independente. Libertando-se da forte influência que seus autores prediletos. Adquire uma tendência fortemente epigramática, porém ainda pouco satírica. [fato que ocorreria depois]
Quase todos os poemas têm a presença de Dora, sua grande musa inspiradora. Para este livro foram selecionados os seguintes poemas: “Madrigal”, “Canção sensata”, “Pequeno retrato”, “Poema circense”, “Ode pacífica” e “Epigrama”.
Madrigal
Meu amor é simples, Dora,
Como a água e o pão.
Como o céu refletido
Nas pupilas de um cão.
Epigrama
Entre sonho e lucidez, as incertezas.
Entre delírio e dever, as tempestades.
Ai, para sempre serei teu prisioneiro
Neste patíbulo amargo de saudades...
Em “Novas cartas chilenas”, de 1954, a principal característica é a qualidade de sua sintetização das ideias através dos epigramas. Seus poemas são sarcásticos e existe uma tendência crítica aos postulados religiosos como em “L´affaire sardinha” e a questão da discriminação da cultura negra em “Palmares”. Critica os reis e a trajetória brasileira da sua colonização e os vários estados instituídos [Monarquia e República].
Foram selecionados os poemas: “Ode prévia”, “Os navegantes”, “A carta”, “A mão-de-obra”, L’affaire sardinha”, “A cristandade”, “Palmares”, “A fuga”, “Cem anos depois” e “Porque me ufano”.
L’affaire sardinha
O bispo ensinou ao bugre
Que pão não é pão, mas Deus
Presente em eucaristia.
E como um dia faltasse
Pão ao bugre, ele comeu
O bispo, eucaristicamente.
Palmares [Fragmentado]
I
No alto da serra,
A palmeira ao vento.
Palmeira, mastro
De bandeira, cruz
[...]
[...]
Os ratos
Não clamam, os ratos
Não acusam, os ratos
Escondem
O crime de Palmares.
O livro “Epigramas”, de 1958, como o próprio nome já diz, é epigramático com características sarcásticas seus poemas são sintéticos e de forte espírito satírico. Há ainda uma homenagem ao escritor Edgar Allan Poe. Toda sua forma poética começa a se definir de maneira madura e própria.
São poemas dessa coletânea: “Poética”, “A Edgar Alan Poe”, “Bucólica”, “Il poverello”, “Baladilha”, “Ivan Ilitch, 1958” e “A Clausewitz”.
Bucólica
O camponês sem terra
Detém a charrua
E pensa em colheitas
Que nunca serão suas
A Clausewitz
O marechal de campo
Sonha um universo
Sem paz nem hemorróidas.
O livro “Anatomias”, de 1967, exemplifica bem como José Paulo Paes inventou uma forma muito própria e particular de se exprimir. É único seu modo de ser na poesia, que obedece a uma coerência interna. Há um especial destaque para a sintetização: a palavra isolada, remontagens vocabulares, trocadilhos e a síntese político-social em “À moda da casa”, que à maneira de Oswald de Andrade, testemunha em quatro palavras a situação nacional da época [após o movimento político de 1964].
É bom atentar-se também para o evidente concretismo em “Epitáfio para um banqueiro” e a poesia visual em “Anatomia da musa”.
Estão selecionados nesta coletânea: “Epitáfio para um banqueiro”, “De senectude”, “Trova do poeta de vanguarda ou The medium is the massage”, “Epitalâmio”, “Ocidental”, “A Maiacóvski”, “À moda da casa”, “O poeta ao espelho, barbeando-se”, “Anatomia da musa” e “O suicida ou Descartes às avessas”.
À moda da casa
feijoada
marmelada
goleada
quartelada
Epitáfio para um banqueiro
negócio
ego
ócio
cio
0
Em “Meia palavra”, de 1973, a obra é no todo intensificada. Expressa-se em sua poesia uma forma de enxergar-se o grande no pequeno como se o autor quisesse representar o universo em um só pingo d’água. Distancia-se pois, totalmente da tradição modernista ainda refletida nos livros anteriores. O chiste, termo melhor encontrado para designar a característica de ironia e pilhéria de seus versos é consolidado como grande forma de expressão.
Podemos destacar a satírica “Canção de exílio facilitada” [paródia à “Canção do exílio” de Gonçalves Dias], “Seu léxico” e “Termo de responsabilidade”.
Estão também neste livro: “Sick transit”, “Ars amandi”, “Minicatinga d’amigo”, “Auto-escola Vênus”, “Lição de casa sobre um tema de apollinaire”, “Entropia”, “Saldo”, “Declaração de bens” e “Antiturística”.
Canção de exílio facilitada
lá?
ah!sabiá...
papá...
maná...
sofá...
sinhá...cá?
bah!
Seu léxico
economiopia
desenvolvimentir
utopiada
consumidoidos
patriotários
suicidadãos
“Resíduo”, de 1980, segue as características do livro anterior e reforça a maturidade, concentrado na forma incisiva do epigrama reduzido ao extremo.
O poema “Um sonho americano” é composto do título e do sintagma: “Cia limitada”. Isso representa uma redução sintética que leva sua poesia destituir-se do verbo, numa composição sem ação. Em contraposição, “Les mains sales” é composta de uma sentença de total ação em relação a seu título: “mãos à obra!”. Podemos destacar também: “Grafito” e “Hino ao sono”.
São também selecionados para esta coletânea: “Epitáfio para Rui”, “Neopaulística”, “Brecht revisitado” e “Do novíssimo testamento”.
Um sonho americano
CIA limitada
Les mains sales
mãos à obra!
Hino ao sono
sem a pequena morte
de toda noite
como sobreviver à vida
de cada dia?
Grafito
neste lugar solitário
o homem toda manhã
Em “Calendário perplexo”, de 1983, tece uma crônica poética, estilizando em sua sintetização epigramática, todas as datas importantes do ano. É satírico, irônico e crítico diante de todos os momentos que destaca.
A coletânea traz os seguintes poemas: “Brinde”, “Dúvida revolucionária”, “Dia do índio”, “Etimologia”, “A verdadeira festa” e “A marcha das utopias”.
Dia do índio [19 de abril]
os dias dos que têm
os seus dias contados
A marcha das utopias [15 de novembro]
não era esta a independência que eu sonhava
não era esta a república que eu sonhava
não era este o socialismo que eu sonhava
não era este o apocalipse que eu sonhava
Em “A poesia está morta mas juro que não fui eu”, de 1988, o autor vive uma fase de plenitude e amadurecimento de sua obra. Os poemetos ganham maior força e o poeta se expressa de maneira única e criativa na consolidação de uma linguagem própria e pessoal. Cada poema, cada fragmento, compõe uma parte do todo de sua obra. Entende-se José Paulo Paes, pelo todo compreendido em cada um de seus poemas separadamente.
Em “Acima de qualquer suspeita”, Paes se transcreve imitador de si próprio, juntamente com todos os outros autores que o influenciaram. Há também o bom uso dos trocadilhos, que sempre tomam como propósito a crítica poética e tem a forma sarcástica e irônica, a exemplo de “Poética” e em “Curitiba”, sua crítica é social e regionalista, quando usa a metáfora do estado como um pinheiro inabalável, referindo-se à vegetação tradicional do Paraná. Também em “Curitiba”, exalta artistas locais, como Dalton Trevisan, que sempre criticou a academia de letras. “Curitiba” sintetiza sua crítica social e poética através do epigrama.
São também destacados nesta coletânea: “Fêtes galantes”, “Taquaritinga”, “Lisboa: aventuras”, “Pisa: a torre”, “Florença: antediluviana”, “Duas elegias bibliográficas” e “Epitáfio para um sociólogo”.
Acima de qualquer suspeita
a poesia está morta
mas juro que não fui eu
eu até que tentei fazer o melhor que podia para salvá-la
imitei diligentemente augusto dos anjos paulo torres
carlos drummond de andrade manuel bandeira
murilo mendes vladimir maiakóviski joão cabral de
melo neto paul éluard oswald de andrade guillaume
apolinaire sosígenes costa bertolt brecht augusto
de campos
não adiantou nada [...]
Poética
conciso? com siso
prolixo? pro lixo
Curitiba
o inventor do estado
era um pinheiro inabalável
inabaláveis pinheiros igualmente
o secretário da segurança pública
o presidente da academia de letras
o dono do jornal
o bispo o arcebispo o magnífico reitor
[...]
Prosas seguidas de odes mínimas, de 1992, é um livro que traz diversos poemas que representam sua melhor performance. Contendo o maior número de poemas selecionados nesta coletânea, o livro é uma mistura de temas que vão do lirismo à crítica política e fazem com que o leitor tenha uma ideia geral da obra. Por esses motivos é um dos livros mais completos. O autor repassa por toda sua trajetória e é como se tivesse a preocupação de lapidar novamente toda sua forma e estilo.
Em “Escolha de túmulo”, coloca o pós-morte como uma nova vida, um novo vôo. Faz mais uma nova leitura em “Canção de exílio” do poema de Gonçalves Dias. Existe a presença da figura de seu pai no poema “Um retrato”, uma homenagem que também contém a morte como tema de reflexão. Esse mesmo tema encontra-se embutido no poema “Reencontro”, onde o autor se encontra em sonho com o teatrólogo Osman Lins, falecido anos atrás. O crédito de maior destaque pode ser dado ao poema: “À minha perna esquerda”. Trata-se de uma sequência de poemetos de características epigramáticas, num total de sete, onde conta sobre si mesmo de maneira tétrica e sarcástica sobre a perda de sua perna esquerda. É forte a intenção interpretativa que se embute no inevitável sacrifício. Nos poemas finais, tece uma quase crônica dos detalhes, sintetiza no cotidiano de objetos e lugares sua poética de forma condensada e rebuscada para dentro de si mesmo.
Contém nesta coletânea: “Escolha de túmulo”, “Noturno”, “Canção de exílio”, “Um retrato”, “Outro retrato”, “A casa”, “Iniciação”, “Nana para Glaura”, “Balancete”, “Reencontro”, “Balada do Belas-Artes”, “À minha perna esquerda”, “À bengala”, “Aos óculos”, “À tinta de escrever”, “Ao shopping center”, “Ao espelho”, “Ao alfinete” e “A um recém-nascido”.
Escolha de túmulo
Onde os cavalos do sono
batem cascos matinais.
Onde o lúcido menino
propõe uma nova infância.
Ali repousa o poeta.
Ali um vôo termina,
outro vôo se inicia.
Reencontro
Ontem, treze anos depois da sua morte, voltei a me
encontrar com Osman Lins.
O encontro foi no porão de um antigo convento, sob
cujo teto baixo ele encenava a primeira peça do seu
Teatro do Infinito.
A peça, Vitória da dignidade sobre a violência, não tinha
palavras: ele já não precisava delas.
Tampouco disse coisa alguma quando o fui cumpri-
mentar. Mas o seu sorriso era tão luminoso que eu
acordei.
À minha perna esquerda [fragmentado]
1
Pernas
para que vos quero?
Se já não tenho
por que dançar.
Se já não pretendo
ir a parte alguma.
Pernas?
Basta uma.
2
[...]
Por que me deixaste
pé morto
pé morto
a sangrar no meio
de tão grande sertão?
não
n ã o
N Ã O !
7
Longe
do corpo
trás
doravante
de caminhar sozinha
até o dia do Juízo.
Não há
pressa
nem o que temer:
haveremos
de oportunamente
te alcançar.
[...]
Mas não te preocupes
que no instante final
estaremos juntos
prontos para a sentença
seja ela qual for
contra nós [...]
Em “A meu esmo” de 1995, mantém a mesma forma dos dois livros anteriores. Existem poemas médios, porém sintéticos na forma da linguagem e poemas na forma epigramática e concreta.
A coletânea traz os seguintes poemas: “Revisitação”, “Folha corrida”, “Centaura”, “Pós-epitalâmio”, “Orfeu”, “Meio soneto”, “Epitáfio provisório”, Écloga” e “morfoses”.
Folha corrida
Vão-se as amadas
despetaladas
no turbilhão
e o ex-adolescente
contra ao espelho
as primeiras rugas.
Meio soneto
a borboleta sob um alfinete
o morcego no bolso do poeta
chacais cotidianos de tocaia
um enxame de moscas sobre o pão
entretanto mais livres do que nunca
pombas
pombas
pombas
Écloga
lentos bois,
passam por mim
os dias
“De ontem para hoje”, de 1996, traz as mesmas características apesar do título sugerir um momento de transição na obra. A coletânea destaca apenas dois poemas na forma epigramática. São eles: “Gonzaguiana” e “Ítaca”.
Gonzaguiana
Em tronco de velho feixo
exposto à lixa dos ventos
ao vitríolo do tempo
não gravo teu nome não:
gravo-o no meu coração.
Ítaca
Na gaiola do amor
não cabem asas de condor.
Penélopes? Cefaléias!
Quanta saudade, odisséias...
O último livro, De Socráticas, traz poemas inéditos de sua fase mais recente. São poemas amistosos politicamente, mantendo a forma sintética e epigramática. Paes volta-se mais para si mesmo e compõe sua poética ao mesmo estilo que o caracteriza nos demais livros selecionados aqui.
Os poemas são: “Momento”, “Preparativos de viagem” e “Auto-epitáfio nº 2”.
Auto-epitáfio nº 2
para quem pediu sempre tão pouco
o nada é positivamente um exagero
Momento
Visto assim do alto
no cair da tarde
o automóvel imóvel
sob os galhos da árvore
parece estar rumo
a algum outro lugar
onde abolida a própria
ideia de viagem
as coisas pudessem
livremente se entregar
ao gosto inato
da dissolução - e é noite.
II- Comentário:
Melhores poemas, de José Paulo Paes é uma coletânea de poesias que traz em 13 livros, 110 poemas. Toda sua trajetória poética é retratada nesta seleção que seguiu cronologicamente as diferentes fases que vivenciou, até os tempos atuais.
José Paulo Paes é reconhecidamente um homem de letras completo. É tradutor, crítico e ensaísta. Autodidata, é um estudioso de línguas e como poeta se distingue por ser um viajante, observador de estados e coisas, sobretudo de espaços literários, em que percorre como admirador e leitor assíduo de todos os gêneros literários. Dessa forma sua sensível maneira de captar o mundo em sua poética de criação o faz dono único de suas palavras de poeta e cidadão.
Para englobar todas estas características, Paes define-se através do epigrama, para condensar toda sua vivência de maneira ampla e concisa.
Retoma em sua obra a poesia epigramática originária da Antiguidade, como em Roma, caracterizada pela ironia, respeitando toda a transformação que aconteceu na concepção moderna da ironia desde o Romantismo. Há um grande destaque para a sátira da vida pública, constante em quase todos os seus livros aqui apresentados.
Essa dimensão pública de seu trabalho, leva através da forma epigramática a importância da história revelada em tempo presente nos poemas. Seus versos breves, sintéticos e concretos, tratam, na velocidade dos tempos atuais o registro de uma poesia pesquisada através da História.
A sintetização faz de maneira a condensar todo seu pensamento sobre o todo, a totalidade de nosso universo, e refleti-lo no mínimo de breves palavras. Daí explica-se o epigrama não só como opção criativa, mas como recurso de condensação de suas ideias.
Esse minimalismo expresso em seus poemetos, traz de forma autêntica e inconfundível, uma sátira dos costumes, acontecimentos e traços históricos da vida urbana em contraposição com a sua origem interiorana.
III- O Autor
José Paulo Paes nasceu em Taqueritinga, no interior de São Paulo, no dia 22 de Julho de 1926.
Em 1947 publica O aluno. Era seu primeiro livro. Em 1949, após tentar um estágio numa usina de álcool em Taquaritinga, o poeta se muda para São Paulo, a fim de trabalhar numa indústria farmacêutica, onde aos poucos consegue exercer seu ofício de químico, no cargo de analista. José Paulo se casaria em 1952 e até hoje é sua companheira inseparável de todos os momentos.
Obras
O aluno [1947];
Cúmplices [1952];
Anatomias [1967];
Meia Palavra [1973];
Resíduo [1980];
Um por todos [1986];
A poesia está morta mas juro que não fui eu [1988];
Prosas seguidas de odes mínimas [1992];
A mau esmo [1995].
O poeta tem prometida nova coletânea, Socráticas.